A Volta da Fortuna
"UMA VOLTA DA FORTUNA"
"Assim, o infeliz pai viu fugir-lhe a última esperança. Protestou que a cessão era fictícia e que seu filho tinha recorrido a ela para se furtar à execução da sentença. Mas ele teria que prová-lo; o velho, entretanto, não tinha condições para intentar um processo custoso, pois lhe faltavam as coisas mais necessárias à subsistência.
"Um acontecimento imprevisto veio tudo mudar. O tio morreu subitamente, sem testamento. Como ele não tinha família, a fortuna coube, de direito, ao parente mais próximo, isto é, ao seu irmão.
"Compreende-se o resto. Hoje, os papéis estão invertidos. O pai está rico e seu filho, pobre. O que, sobretudo, deve aumentar o desespero deste último é que ele não pode invocar o fato de uma cessão fictícia, pois a lei interdita formalmente esse gênero de transações."
Os
exemplos de castigos imediatos são menos raros do que se pensa. Se se
remontasse à fonte de todas as vicissitudes da vida, ver-se-ia aí, quase
sempre, a consciência natural de alguma falta cometida. A cada instante
recebe o homem terríveis lições, das quais, infelizmente, tira pouco
proveito. Enceguecido pela paixão, ele não vê a mão de Deus que o fere.
Longe de reconhecer-se culpado por seus próprios infortúnios, ele os
atribui à fatalidade, à sua má sorte; irrita-se muito mais
frequentemente do que se arrepende, e não nos surpreenderíamos se o
filho do qual se fala acima, em vez de ter reconhecido seus erros para
com o pai; em vez de voltar a ter melhores sentimentos para com ele, não
tivesse concebido contra ele mais animosidade. Ora, o que é que Deus
pede ao culpado? O arrependimento e a reparação voluntária.
Para motivá-lo a isso, ele multiplica em seu redor os avisos sob todas as formas, durante sua vida: desgraças, decepções, perigos iminentes, numa palavra, tudo o que é próprio a fazê-lo refletir. Se, a despeito disto, seu orgulho resiste, não é justo seja punido mais tarde? Grave erro é pensar que o mal fique algumas vezes completamente impune na vida atual. Se soubéssemos tudo quanto acontece ao mau, aparentemente o mais próspero, ficaríamos convencidos da verdade de que não há uma única falta nesta vida, uma só inclinação má, digamos mais, um só mau pensamento que não tenha sua contrapartida. Deduz-se daí que, consequentemente, se o homem aproveitasse os avisos que recebe; se ele se arrependesse e reparasse suas faltas ainda nesta vida, teria satisfeito à justiça de Deus e não teria mais que expiar e reparar, quer no mundo dos Espíritos, quer em nova existência.
Se há, portanto,
aqueles que nesta vida sofrem as consequências de sua existência
anterior, é que eles têm a pagar uma dívida que não saldaram. Se o filho
em questão morrer na impenitência, sofrerá, a princípio, no mundo dos
Espíritos, o castigo do remorso; sofrerá moralmente o que fez sofrer
materialmente; será um Espírito infeliz, porque terá violado a lei que
lhe dizia: Honra teu pai e tua mãe. Mas Deus, que é soberanamente bom e,
ao mesmo tempo, soberanamente justo, permitir-lhe-á reencarnar-se para
reparar; talvez lhe dê o mesmo pai, e, em sua bondade, lhe poupe a
humilhante lembrança do passado. Entretanto, o culpado trará consigo a
intuição das resoluções que tiver tomado e a vontade de fazer o bem, em
vez do mal. Será a voz da consciência que lhe ditará a conduta. Depois,
quando voltar ao mundo dos Espíritos, Deus lhe dirá: Vem a mim, meu
filho, tuas faltas estão apagadas. Mas, se ele falhar nessa nova prova,
terá que recomeçar, até que se tenha despojado inteiramente do homem
velho.
Impressão Espírita - Autor- "Revista Espírita" de 1864